hoje na fnac colombo, ainda o rapaz da loja estava a acabar de colocar os livros na estante, já duas quarentonas pegavam em dois exemplares e dirigiam-se logo para a caixa.
no caminho comentavam: "já viste agora é só calhamaços, hi hi".
o escaparate tinha mais obras dele, um cartaz com nome da última obra e do autor, uma imagem de fundo a preto e branco.
está mesmo à entrada, pronto a ser agarrado.
foi posto hoje à venda, são cem mil exemplares.
cheira-me que não chegam para o natal.
29 de outubro de 2007
26 de outubro de 2007
Um sem-abrigo com consciência ecológica
Não era um pedinte qualquer. Aliás, nem sequer era um pedinte. Era um cidadão com consciência ecológica. Sentado no chão, na Rua Garret, no Chiado, o rapaz recortava com mão certeira latas de coca-cola, fanta, sumol, em engenhosas cadeirinhas e bem intrincados cinzeiros. Tinha escrito com caneta de feltro num bocado de cartão “Não se esqueça, recicle” e outra frase qualquer sobre o ambiente ou o aquecimento global.
- Quanto é que é? perguntei, divertida.
- Não é nada, isto é só mais para alertar… a ..a..consciência das pessoas.
- Ai é?, franzi o sobrolho, como quem diz, “hum…tem a certeza? Então não quer nada?”
- Oh, só se quiser dar uma contribuiçãozinha, é o que quiser, isto não vale nada…é a mensagem pela mensagem.
Como um sem-abrigo com miolos já não é um pedinte por muito sujinho que esteja e por muito arrastada que seja a voz de coitadinho, dei-lhe um euro por um cinzeiro novinho em folha. Quer dizer…novo não é, mas “o que importa é a mensagem pela mensagem”!
- Quanto é que é? perguntei, divertida.
- Não é nada, isto é só mais para alertar… a ..a..consciência das pessoas.
- Ai é?, franzi o sobrolho, como quem diz, “hum…tem a certeza? Então não quer nada?”
- Oh, só se quiser dar uma contribuiçãozinha, é o que quiser, isto não vale nada…é a mensagem pela mensagem.
Como um sem-abrigo com miolos já não é um pedinte por muito sujinho que esteja e por muito arrastada que seja a voz de coitadinho, dei-lhe um euro por um cinzeiro novinho em folha. Quer dizer…novo não é, mas “o que importa é a mensagem pela mensagem”!
23 de outubro de 2007
O lápis azul, o tampax e a liberdade na Modas e Bordados dos anos 40
Capa da "Modas e Bordados, Vida Feminina", início da década de 40.
A histórica “Modas e Bordados” fez entre 1912 e 1977 a alegria das mulheres portuguesas das classes média e alta, que encontravam nela não apenas conselhos sobre as artes domésticas mas um espaço de alguma liberdade. A política também passou por ali, metida entre as receitas e dicas sobre saúde, dietas, modas e signos, poesia, contos e entrevistas a actrizes dos filmes do Vasco Santana ou a respeitáveis senhoras casadas que transmitiam a visão tradicional da mulher e a visão que se “deveria” ter do mundo. Surpreendeu-me que o Estado Novo considerasse necessário mandar ao lápis azul uma revista que nem sequer era vendida nas bancas mas como suplemento de um jornal, “O Século”, e que na aparência tratava de inofensivas “coisas de mulheres”. Afinal não seriam assim tão parvos…
Por outro lado... terem deixado passar este anúncio aqui em baixo é uma coisa espantosa. Será que perceberam?! (Esta revista é igualmente do início da década de quarenta)
Vale a pena clicar na foto para ler a mensagem publicitária. "Nem alfinetes, nem chumaços", "Tampax quere dizer...liberdade (em itálico no original)". Claro que deixar os "chumaços e os alfinetes" seria uma libertação para as mulheres. Noutro sentido, "liberdade" e "invisível" são as duas únicas palavras em itálico no anúncio. Muito provavelmente é coincidência, mas eu gosto de pensar que não é. Não sei se naquela altura já era assim, mas alguns anos mais tarde, "liberdade" foi uma palavra proibida até nas letras das canções.
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21 de outubro de 2007
20 de outubro de 2007
A pobreza é um lugar comum, por isso perdoem-me
Em Portugal existem 2 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza. No sítio onde vivo, no centro de Lisboa, vivem também muitos muito ricos e muitíssimos muito pobres. Eu não sei se esses fazem parte das estatísticas, mas alguns vão ao talho da Gomes Freire. Hoje, enquanto pensava, indecisa, se levava borrego ou vitela para um jantar com amigos cá em casa, entrou uma mulher que não era cliente habitual. Estranhámos logo, clientes e empregados, a maneira como entrou, apressada, de peito levantado, como se tivesse respirado fundo antes de entrar. Alta, loura, teria trinta e cinco anos, vestia uma blusa de alças que deixava ver uma pele clara com bronze de países tropicais. O cabelo estava despenteado, cara bonita sem pintura. Teria acordado há pouco tempo e saído à rua para as compras sem tomar o pequeno-almoço, como eu.
- Quanto custa estas aqui, perguntou, com ligeiro sotaque do Brasil.
- São 6,98 o quilo. O talhante pegava hesitante na caixa das almôndegas, mas ela disse:
- Não, não, deixa. Vou levar “isto” de fígado. Dirigiu-se rápida ao fim do balcão, onde estava o fígado e estendeu a mão ao empregado.
- Hoje só temos de porco, disse o talhante, com voz de simpatia e eu percebi que não seria a primeira vez que ela pedia fígado, a coisa mais barata.
Olhámos para o “isto” que ela mostrou ao empregado. Eram três euros. Uma moeda de dois euros e uma moeda de um euro. Silêncio e depois…nada. Eu que me “virasse” com a vontade de chorar que veio de repente. Na cara dela não havia espaço para acolher a minha piedade. O silêncio que se gerou foi o único sinal de pena e, ao mesmo tempo, de respeito. Ninguém se ofereceu para lhe pagar as almôndegas. Sentimos que não seria aceite esse gesto de ajuda. Ela era pobre mas não se sentia pobre. Não se dá esmola a quem não se sente pobre. (Ou seria esta conclusão uma forma de justificarmos a nossa inércia cobarde?) A cara respondeu ao silêncio compondo um ar de sobranceria. Eu pensei…sim, quem desdramatiza isto, é porque já viveu muito pior.
- Mas quer em bifes ou cortado aos bocadinhos?
Claro que é aos bocadinhos estúpido, pensei. Sim, era aos bocadinhos que ela queria. Para render. Ela deixou os três euros no balcão e saiu rápida. Passou muito perto e vi-lhe manchas ainda frescas de leite na blusa. Era mãe. Perdoem-me estas lágrimas.
- Quanto custa estas aqui, perguntou, com ligeiro sotaque do Brasil.
- São 6,98 o quilo. O talhante pegava hesitante na caixa das almôndegas, mas ela disse:
- Não, não, deixa. Vou levar “isto” de fígado. Dirigiu-se rápida ao fim do balcão, onde estava o fígado e estendeu a mão ao empregado.
- Hoje só temos de porco, disse o talhante, com voz de simpatia e eu percebi que não seria a primeira vez que ela pedia fígado, a coisa mais barata.
Olhámos para o “isto” que ela mostrou ao empregado. Eram três euros. Uma moeda de dois euros e uma moeda de um euro. Silêncio e depois…nada. Eu que me “virasse” com a vontade de chorar que veio de repente. Na cara dela não havia espaço para acolher a minha piedade. O silêncio que se gerou foi o único sinal de pena e, ao mesmo tempo, de respeito. Ninguém se ofereceu para lhe pagar as almôndegas. Sentimos que não seria aceite esse gesto de ajuda. Ela era pobre mas não se sentia pobre. Não se dá esmola a quem não se sente pobre. (Ou seria esta conclusão uma forma de justificarmos a nossa inércia cobarde?) A cara respondeu ao silêncio compondo um ar de sobranceria. Eu pensei…sim, quem desdramatiza isto, é porque já viveu muito pior.
- Mas quer em bifes ou cortado aos bocadinhos?
Claro que é aos bocadinhos estúpido, pensei. Sim, era aos bocadinhos que ela queria. Para render. Ela deixou os três euros no balcão e saiu rápida. Passou muito perto e vi-lhe manchas ainda frescas de leite na blusa. Era mãe. Perdoem-me estas lágrimas.
18 de outubro de 2007
pode um país caber num filme?
dois filmes recentes fazem-me pensar sobre a ideia que temos de um país.
um deles, possivelmente nem chegará às salas de cinema, é "taxi to the dark side", de alex gibney, um realizador que acusa os Estados Unidos de torturarem prisioneiros no Afeganistão, Iraque e em Guantanamo.
o filme passa hoje no doclisboa e dá uma visão aterradora, terrível , monstruosa dos Estados Unidos. dá vontade de os odiar a todos, sem excepção, por serem uns cobardes medievais de merda.
o outro filme é "persépolis", animação de marjane satrapi e vincent paronnaud, que deverá estrear comercialmente no final de outubro ou em novembro.
o filme é fabuloso, conta uma história biográfica passada no irão, no final dos anos 70 depois da revolução islâmica, e coloca questões mais ao nível de diferenças culturais e da liberdade de expressão.
17 de outubro de 2007
Eu sei que é chão, mas parece um mapa
15 de outubro de 2007
14 de outubro de 2007
12 de outubro de 2007
pecado
como costumo dizer, fico doente quando oiço o que se passa neste país.
toda a gente sabe que a igreja é uma máquina de fazer dinheiro, mas esse dinheiro devia diligentemente ser distribuído por quem precisa e não para erguer belos edifícios arquitectónicos.
70 milhões de euros para uma basílica?!?
um fausto que pagaria alimentos para quantos desgraçados?
tenho para mim que se a nossa senhora fosse hoje à cova da iria para uma nova aparição dava-lhe um fanico com tanta alarvidade da santa igreja católica.
é por coisas destas que deixei de ir à missa.
toda a gente sabe que a igreja é uma máquina de fazer dinheiro, mas esse dinheiro devia diligentemente ser distribuído por quem precisa e não para erguer belos edifícios arquitectónicos.
70 milhões de euros para uma basílica?!?
um fausto que pagaria alimentos para quantos desgraçados?
tenho para mim que se a nossa senhora fosse hoje à cova da iria para uma nova aparição dava-lhe um fanico com tanta alarvidade da santa igreja católica.
é por coisas destas que deixei de ir à missa.
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CUI (Coisas Universalmente Incorrectas)
11 de outubro de 2007
O silêncio das inocentes
É normal ouvirem-se na cidade do Porto os gritos das gaivotas. Por isso, quando calha ouvir-se mais o silêncio…há quem fique baralhado. O dia não é o mesmo. Parece que há qualquer coisa errado com as coisas. Quando o que falta é daquelas coisas que toda a vida existiram, mais difícil se identifica a ausência. O primeiro sentimento é de pura baralhação e a cabeça parece que anda aérea. Mas o que é que raio se passa?! O homem que eu vi absorto a olhar para o chão, de mãos nos bolsos, ali para os lados da Casa da Música, descobriu a razão da sua inquietude em pleno diálogo com um vizinho.
- João, viva, novidades?, perguntou o vizinho quando saía do prédio. Mas a resposta foi só um “hum”…O homem, nos seus cinquenta, continuou de cabeça baixa, mãos nos bolsos, olhando para os sapatos.
- Homem, então, isso vai ou quê? O homem lá “acordou” e respondeu ao cumprimento, tirou as chaves de casa do bolso e ficou com elas nas mãos, brincando com elas, um bocado desajeitado.
- Nem parece teu, estavas aí a contar as formigas ou quê? Olha, vou buscar frangos, anda daí, bebemos um fino.
Neste ponto, o homem levou a mão ao estômago e teve um esgar de náusea. Fosse o que fosse, o vizinho não notou, mas a cara do homem iluminou-se e ele tirou os olhos do chão e espetou-se a olhar para o céu.
- As gaivotas…não se têm ouvido as gaivotas!, disse isto assim de rajada e, como a frase lhe pareceu ter surpreendido o vizinho, calou-se, um pouco envergonhado. Um homem feito, mãos para trabalhar e família para sustentar, cismando nas inocentes gaivotas? Isso, no tempo dele, seriam provavelmente “caprichos de mulheres”.
- Parece que não se tem ouvido as gaivotas, insistiu, dando um tom mais indiferente ao caso. Não foi ele que reparou, o “parece que…” dá muito jeito nestas situações.
- Diga João, as gaivotas o quê? Estranhou o vizinho.
- As gaivotas…parece que não se têm ouvido, então não reparou?
- Ah, é verdade, é verdade. Não se têm ouvido não. Deve ser do tempo…Então não quer vir João?
- Ah, vou pra casa, tenho lá o neto.
- Cumprimentos à patroa, João.
Mas não foi para casa, ficou cá fora, à porta do prédio, de braços cruzados, a cara descontraída, contente por ter desatado o nó, um pouco triste com o silêncio no céu do Porto.
- João, viva, novidades?, perguntou o vizinho quando saía do prédio. Mas a resposta foi só um “hum”…O homem, nos seus cinquenta, continuou de cabeça baixa, mãos nos bolsos, olhando para os sapatos.
- Homem, então, isso vai ou quê? O homem lá “acordou” e respondeu ao cumprimento, tirou as chaves de casa do bolso e ficou com elas nas mãos, brincando com elas, um bocado desajeitado.
- Nem parece teu, estavas aí a contar as formigas ou quê? Olha, vou buscar frangos, anda daí, bebemos um fino.
Neste ponto, o homem levou a mão ao estômago e teve um esgar de náusea. Fosse o que fosse, o vizinho não notou, mas a cara do homem iluminou-se e ele tirou os olhos do chão e espetou-se a olhar para o céu.
- As gaivotas…não se têm ouvido as gaivotas!, disse isto assim de rajada e, como a frase lhe pareceu ter surpreendido o vizinho, calou-se, um pouco envergonhado. Um homem feito, mãos para trabalhar e família para sustentar, cismando nas inocentes gaivotas? Isso, no tempo dele, seriam provavelmente “caprichos de mulheres”.
- Parece que não se tem ouvido as gaivotas, insistiu, dando um tom mais indiferente ao caso. Não foi ele que reparou, o “parece que…” dá muito jeito nestas situações.
- Diga João, as gaivotas o quê? Estranhou o vizinho.
- As gaivotas…parece que não se têm ouvido, então não reparou?
- Ah, é verdade, é verdade. Não se têm ouvido não. Deve ser do tempo…Então não quer vir João?
- Ah, vou pra casa, tenho lá o neto.
- Cumprimentos à patroa, João.
Mas não foi para casa, ficou cá fora, à porta do prédio, de braços cruzados, a cara descontraída, contente por ter desatado o nó, um pouco triste com o silêncio no céu do Porto.
10 de outubro de 2007
8 de outubro de 2007
5 de outubro de 2007
A moral num anúncio a fogões de 1965
As revistas de culinária nem sempre surpreendem por anúncios de carácter duvidoso. Em 1965, a revista Banquete, dirigida por Maria Emília Cancella de Abreu (de quem voltarei a falar), trazia um anúncio que prometia o "melhor fogão nacional", um tal de "Presmalt". Desta vez, o slogan é sóbrio e até inspirador. Dizer que "Escolher Presmalt é proceder com acerto" traduz um verdadeiro juízo de carácter moral. Quem comprar Presmalt pode ir deitar-se de consciência tranquila, pode dormir o sono dos justos, porque procedeu com acerto. Eu não sei se ainda se fabricam os fogões Presmalt, mas gostava de saber porque compraria de certeza. Não há nada que pague a certeza absoluta de ter procedido com acerto, sobretudo porque isso é uma coisa que raramente me acontece. Não me lembro aliás de alguma vez ter pensado "Trincadeira maria, tu hoje procedeste com acerto". Não há qualquer comparação entre ter alguém a dizer-me "trincadeira, descansa que fizeste bem" e ouvir a solene e sólida convicção de ter procedido com acerto. Reparo que já repeti vezes demais o slogan da Presmalt, é só mais uma vez: "Proceder com acerto"...ai que descanso.
4 de outubro de 2007
3 de outubro de 2007
O tratamento da condição feminina nos anos 70
Descobri há dias que em 1978 tentavam impingir à “mulher moderna” um produto “desinfectante-desodorizante” para a “higiene íntima” que garantia o “aroma da higiene” mesmo “nos dias especiais do mês”. Chamava-se Dystron.
Numa análise à dita mensagem publicitária, surgem-me ao espírito várias interrogações.
Por exemplo, ao que é que se referem precisamente quando falam nos “dias especiais do mês”? É que de acordo com uma breve sondagem feita a mulheres modernas aqui da chafarica, não há dia mais especial no mês que o dia de pagamento. Será que precisamos de cheirar a lavadinho para receber o salário? E porquê só nesses dias? E isto leva-me a outras considerações. O que significa em concreto a expressão “aroma da higiene”? Isto cheira-me a gato por lebre. Olhem que rica descoberta publicitária. Mas tomar banho para quê se podemos cheirar a lavado sem ter a chatice de ir à banheira?! Modernices dos anos 70, de certeza. O anúncio, que pode ser encontrado no número especial da Teleculinária de Dezembro de 1978, é encabeçado por uma fotografia de rosto de uma “mulher moderna” pintalgada à última moda:
Numa análise à dita mensagem publicitária, surgem-me ao espírito várias interrogações.
Por exemplo, ao que é que se referem precisamente quando falam nos “dias especiais do mês”? É que de acordo com uma breve sondagem feita a mulheres modernas aqui da chafarica, não há dia mais especial no mês que o dia de pagamento. Será que precisamos de cheirar a lavadinho para receber o salário? E porquê só nesses dias? E isto leva-me a outras considerações. O que significa em concreto a expressão “aroma da higiene”? Isto cheira-me a gato por lebre. Olhem que rica descoberta publicitária. Mas tomar banho para quê se podemos cheirar a lavado sem ter a chatice de ir à banheira?! Modernices dos anos 70, de certeza. O anúncio, que pode ser encontrado no número especial da Teleculinária de Dezembro de 1978, é encabeçado por uma fotografia de rosto de uma “mulher moderna” pintalgada à última moda:
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1 de outubro de 2007
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