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12 de novembro de 2008

Paulo Bobão, o arrumador anfitrião

Sem querer ofender o arrumador, acho que assenta que nem uma luva o nome que lhe botei, inspirado na Bobone dos manuais de "etiqueta e boas maneiras".
É que estava eu sentada na paragem do autocarro à seca e resolvi espreitar um saco meio aberto de onde vinha um intenso cheiro a castanhas.
"Estaria abandonado? E que será aquilo verde? Uma garrafa? Alguem que se esqueceu? Mas não tem ar disso, está aberto..patati, patata", assim vaguearam os meus pensamentos enquanto esperava pelo 6. No minuto a seguir, aparece-me de rompante este arrumador, que se apresenta:

- Minha senhora, sou o arrumador desta rua, esteja à sua vontade, disse o homem barbudo, cruzando os braços e olhando pra mim, como se estivesse à espera de alguma coisa.
- ?! (cara de espanto)
- São castanhas cozidas, estão muito boas, faz favor de se servir.
- Obrigada, mas eu...(mais espanto e algum, confesso, constrangimento)
- Não faça cerimónia, por amor de deus. Fui buscá-las há pouco e estão ainda quentes. Eu reparei que a senhora lhes sentiu o cheiro. (Aqui, corei de vergonha)
- A senhora com toda a certeza é nova nesta zona, porque é a primeira vez que tenho a honra de a ver. Eu sou o arrumador desta rua, e guardo aqui o meu comer.
(Nisto faz um pequeno e delicado gesto e aponta para o tecto da paragem. Realmente, cabeça no ar que eu sou, não tinha visto o cartaz cuja mensagem, literal, dizia: "Não mexer. Comer do arrumador".

Perante aquela evidência, eu era intrusa em casa alheia e pedi mil desculpas e disse "não reparei, realmente moro aqui há pouco tempo, não sabia" e já me levantava quando:
- Não, não se vá embora por minha causa! Era o que faltava, não se assuste comigo, eu sou só o arrumador desta rua. Por favor, sirva-se das castanhas e fique o tempo que quiser. Olhe, eu tenho que ir arrumar carros e vim aqui só para beber uma pinguinha, mas fique à sua vontade". Tirou a garrafa do saco, e com mais uns salamaleques, o arrumador voltou ao serviço.
Eu ainda estava meio atarantada, porque aquilo me pareceu tudo muito doido, mas continuei à espera do autocarro. Entretanto achei estranho ninguem ir para a paragem e resolvi inspeccionar.
Resultado, trata-se uma paragem antiga, desactivada. Quem lhe dá uso é só mesmo o arrumador da Rua Pascoal de Melo, que ali guarda o seu comer (vide cartaz) durante o dia.
Ora, depois de saber isto, já não posso estranhar a atitude do Paulo Bobão, o arrumador anfitrião.
Quando alguém vai a minha casa, eu também digo para estarem à vontade, para ficarem o tempo que quiserem e para se servirem sem cerimónias!

8 de março de 2008

Viva emoções num ATM perto de si

Ok, precisamos dos bancos, não há nada a fazer. Mas era preciso serem sádicos? Qualquer coisa me dizia para tirar o saldo no multibanco. Digamos as piores expectativas se confirmaram. O saldo estava tão em baixo que tive praticamente um ataque. (What the fuck?!) mas ainda é dia sete!!! Levei a mão ao peito para me acalmar, e fiquei tão atarantada que cambaleei um pouco. (Holly shit!). Mais calma, voltei a ler o papelito na vã esperança de ter visto mal e reparei na PUB sádica: "Seja cliente, viva emoções". É, não é? (the bastards!). A Caixa promete, cumpre e ainda nos presenteia com ironias finas.

20 de outubro de 2007

A pobreza é um lugar comum, por isso perdoem-me

Em Portugal existem 2 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza. No sítio onde vivo, no centro de Lisboa, vivem também muitos muito ricos e muitíssimos muito pobres. Eu não sei se esses fazem parte das estatísticas, mas alguns vão ao talho da Gomes Freire. Hoje, enquanto pensava, indecisa, se levava borrego ou vitela para um jantar com amigos cá em casa, entrou uma mulher que não era cliente habitual. Estranhámos logo, clientes e empregados, a maneira como entrou, apressada, de peito levantado, como se tivesse respirado fundo antes de entrar. Alta, loura, teria trinta e cinco anos, vestia uma blusa de alças que deixava ver uma pele clara com bronze de países tropicais. O cabelo estava despenteado, cara bonita sem pintura. Teria acordado há pouco tempo e saído à rua para as compras sem tomar o pequeno-almoço, como eu.
- Quanto custa estas aqui, perguntou, com ligeiro sotaque do Brasil.
- São 6,98 o quilo. O talhante pegava hesitante na caixa das almôndegas, mas ela disse:
- Não, não, deixa. Vou levar “isto” de fígado. Dirigiu-se rápida ao fim do balcão, onde estava o fígado e estendeu a mão ao empregado.
- Hoje só temos de porco, disse o talhante, com voz de simpatia e eu percebi que não seria a primeira vez que ela pedia fígado, a coisa mais barata.
Olhámos para o “isto” que ela mostrou ao empregado. Eram três euros. Uma moeda de dois euros e uma moeda de um euro. Silêncio e depois…nada. Eu que me “virasse” com a vontade de chorar que veio de repente. Na cara dela não havia espaço para acolher a minha piedade. O silêncio que se gerou foi o único sinal de pena e, ao mesmo tempo, de respeito. Ninguém se ofereceu para lhe pagar as almôndegas. Sentimos que não seria aceite esse gesto de ajuda. Ela era pobre mas não se sentia pobre. Não se dá esmola a quem não se sente pobre. (Ou seria esta conclusão uma forma de justificarmos a nossa inércia cobarde?) A cara respondeu ao silêncio compondo um ar de sobranceria. Eu pensei…sim, quem desdramatiza isto, é porque já viveu muito pior.
- Mas quer em bifes ou cortado aos bocadinhos?
Claro que é aos bocadinhos estúpido, pensei. Sim, era aos bocadinhos que ela queria. Para render. Ela deixou os três euros no balcão e saiu rápida. Passou muito perto e vi-lhe manchas ainda frescas de leite na blusa. Era mãe. Perdoem-me estas lágrimas.

26 de setembro de 2007

Para crises verdadeiras, rolos fingidos

Eu já desconfiava, mas ontem tive a certeza. A crise não afecta só os pobrezinhos. Descobri-o na Av. de Roma, aquela que eu supunha servir a classe média bem na vida. No passeio, já quase ao pé do Hotel Roma, anuncia-se um talho que, para não destoar das aparências da zona “bem”, se deu o nome de “Boutique da Carne”. Mas não há aparências que resistam a uma crise que sentou definitivamente o seu c* gordo em cima das nossas espremidas carteiras. Ali, em vez de lombo verdadeiro, que custa pra cima duma fortuna, há rolo fingido a 2,98 euros. E claro, a baratucha perna de perú que bem arranjadinha com batatas no forno rende para uma casa de família. O que este país está a precisar é de ir buscar a Filipa Vacondeus com as suas dicas para fazer um arroz de chouriço sem chouriço e o Chefe Silva da Teleculinária com as suas avisadas receitas de bacalhau corrente. Disse ele várias vezes nas revistas que a minha mãe coleccionava nos anos 80 (entretanto roubei-lhe algumas) que a receita para ser bem feita pede lombos de bacalhau graúdo, mas que o corrente faz as vezes, sobretudo em tempos de crise.



P.S. Para fazer arroz de chouriço sem chouriço: (Receita de Filipa Vacondeus)
Da próxima vez que comprarem chouriço não deitem fora aquele cordel que ata as pontas. Aproveitem e façam boa figura com pouco dinheiro. Cozam o cordel e as pontinhas do chouriço que normalmente vai pró lixo e usem a água da cozedura para fazer o arroz. Aquilo não é uma porcaria porque, lá diz o provérbio: “água fervida, bicheza morrida”.