27 de março de 2008

Human Tetris

The Original Human TETRIS Performance by Guillaume Reymond foi o mais votado para o prémio criatividade nos prémios do youtube-2007

17 de março de 2008

Eu vi um sapo, com um guardanapo...

Não sei nada da história do Mário a não ser o que nos contou a D. Lurdes, da mercearia da Gomes Freire. Já o tinha visto andando desacertado em várias ruas da zona, a várias horas do dia e a da noite. Sei que a bebedeira é um estado habitual do Mário, um alcoólico que se confunde com um sem-abrigo. Vi-o a rir à maluca frente ao carro que o ia atropelando e vi como gritava e ria no meio da estrada no Conde Redondo com um pacote de vinho na mão. Sei que ele fala a gritar com quem passa no passeio onde estiver. Uma vez ouvi-o gritar umas coisas em inglês a umas estrangeiras que iam a passar e lembro-me de ter pensado que ele tinha muita graça. Mas o Mário não é um sem-abrigo. A acreditar na história que nos contou a D. Lurdes, o rapaz chegou a ser um matemático brilhante. Era professor no Liceu Camões, bem perto da casa onde mora, na Duque de Loulé. A D. Lurdes contou-nos isto e mais algumas coisas no sábado passado. Era meio-dia e a rua estava finalmente calma depois da azáfama da manhã. Poucos carros, pouca gente, o quiosque às moscas, as lojas a fechar. Eu estava à entrada da mercearia, e o Mário encostado à parede uns dez metros mais adiante. Fora da loja, uma senhora baixou-se para escolher umas tangerinas do caixote da fruta rente ao chão. E o Mário acompanhou-lhe o movimento com a cabeça, espreitando, divertido, o decote da senhora.
Já dentro da loja, a senhora, eu e mais uma rapariga esperávamos a nossa vez quando da rua pacífica vieram uns gritos surpreendentes: O Mário cantava o “Eu vi um sapo” mas com uma letra adaptada:
- “EU VI-TE AS MAMAS, EU VI-TE AS MAMAS, EU VI-TE AS MAMAS, EU VI-TE AS MAMAS!, taratari, taratari, tiri, tiri..”
Imaginem isto cantado com a música do “Eu vi um sapo” que agora faz PUB à Internet. Claro, rimos à gargalhada e eu reparei que a senhora corou um pouco, afinal também percebeu o movimento atrevido do Mário junto aos caixotes da fruta.
Olhámos lá para fora, menos a D. Lurdes, que mordia o lábio para não se rir, e lá estava ele, completamente feliz a cantar e a dançar no passeio. Parava um pouco para se rir à gargalhada e voltava ao mesmo. A D. Lurdes, afinal vizinha de longa data do homem, e amiga dos pais, sentiu-se na necessidade de justificar a loucura do rapaz e fez o diagnóstico: “Uma mente brilhante que um dia terá tido um esgotamento nervoso que não foi bem acompanhado e deu nisto”. Parece que ele começou aos poucos a deixar de se interessar pelo trabalho, pelos alunos, e acabou por se apaixonar pelo vinho e a abandonar a higiene por completo. Às vezes o irmão vem ter com ele e leva-o para casa, dá-lhe banho, corta-lhe o cabelo e veste-lhe roupa lavada. Mas o mais estranho do caso do Mário, interroga-se a D. Lurdes, é que quando um antigo colega, também matemático de renome, o vem procurar, súbitas mudanças acontecem.
- “Chegam a ter grandes conversas, o Mário e colega. Quando o amigo vem, ele muda por completo, endireita-se todo e fala normalmente com ele, como se não tivesse bebido, sobre as coisas no Liceu, sobre o mundo e discutem sobre as coisas deles como se o rapaz nunca estivesse estado neste estado”, admira-se a D. Lurdes com um certo respeito no tom de voz…
Olhámos lá para fora e vimos o homem tão descontraído na sua cantiga a apanhar sol a dançar pelo passeio que concluímos que talvez o Mário não se tenha perdido mas, ao contrário, achado, a certa altura da vida.

14 de março de 2008

camaleão




das mil imagens que esta mulher já teve, a mais recente vai ser esta.
prestes a chegar aos cinquenta, deu-lhe para parecer que tem 25. dos tempos da virgem.


13 de março de 2008



augusto brázio é dos melhores e esta foto quase dá vontade de chorar.
tudo indica que a rapariga teve a criança dentro de uma ambulância.
a exposição abre dia 19 na kgaleria.

12 de março de 2008

Great Expectations


Não sei como é que foi com Vossas Excelências, mas, no meu caso, o Dia da Mulher foi este ano completamente esquecido no agregado familiar, que inclui, para além da minha pessoa, uma cara-metade bem apessoada e um gato com mau-feitio.
Depois de passar a maior parte da tarde na esplanada a apanhar uns farripos de sol na moleirinha e a ler os jornais, decidimos que não era possível adiar por mais tempo o momento fatal e voltámos a casa para aspirar e limpar o pó.
No caminho reparei num casal de reformados que ostentavam uma tal cara de enfado que eu pensei imediatamente, coitados, “devem de ir para casa aspirar e limpar o pó”.
Mas depois reparei que da mala de mão da senhora saía uma rosa murcha e pensei, sim, “se o meu gajo me oferecesse uma rosa rançosa como aquela…”.
E lembrei-me: espera! Hoje é o Dia da Mulher! Olhei de repente para o gajo a ver se ele tinha acompanhado o meu raciocínio em pensamento e rapidamente concluí que se ele se tinha lembrado do MEU dia, disfarçava muito bem.
Mas a esperança é a última a morrer. E foi com este estado de espírito que recebi aquilo que pensava ser uma “desculpa esfarrapada” do meu gajo quando me disse “vai andando, que eu vou ali abaixo comprar um vinho”.
Foi a certeza de que ia buscar o MEU presente. Nem perguntei mais nada. Fiquei toda sorridente, agarrei-o toma lá beijo e “não demores” e tal com uma tal efusão que ele ficou entre a desconfiança e o que me pareceu ser uma certa expectativa.
Lá fui para casa, aspirei a sala em três minutos, passei o pano pelos móveis ao de leve para não estragar, e fui ver o que se arranjava para um improvisado jantarinho especial.
Depois de muito pensar, decidi-me por um vestido castanho com brilhantes que tinha comprado nos saldos e que ainda não tinha usado por o decote infringir todas as regras de trânsito.
Vai daí, ele abre a porta e eu apareço-lhe naqueles preparos tentando não cair dos meus únicos sapatos stiletto (já têm 10 anos mas não se estragam porque nunca os uso mais que duas horas seguidas).
Mas, em vez das flores, o meu gajo trazia o quê?! Sim, isso mesmo, uma garrafa de vinho...

11 de março de 2008

19 julho, lisboa


para a tinta roriz.
rectificação:
para a tinta roriz e para a trincadeira, as castas mais apaladadas da vinha portuguesa.

lovebirds



o filme não é nada de especial.
mas vale a pena só pelas cenas e pelos diálogos de fernando lopes e rogério samora. imperdível.
o filme de bruno de almeida estreia quinta-feira.

8 de março de 2008

Viva emoções num ATM perto de si

Ok, precisamos dos bancos, não há nada a fazer. Mas era preciso serem sádicos? Qualquer coisa me dizia para tirar o saldo no multibanco. Digamos as piores expectativas se confirmaram. O saldo estava tão em baixo que tive praticamente um ataque. (What the fuck?!) mas ainda é dia sete!!! Levei a mão ao peito para me acalmar, e fiquei tão atarantada que cambaleei um pouco. (Holly shit!). Mais calma, voltei a ler o papelito na vã esperança de ter visto mal e reparei na PUB sádica: "Seja cliente, viva emoções". É, não é? (the bastards!). A Caixa promete, cumpre e ainda nos presenteia com ironias finas.

6 de março de 2008

...como as coisas que vivem

Imagino que os super-hiper-mega-mercados dariam histórias bem mais emocionantes. Cada corredor seu segredo, cada repositora de patins uma aventura. Mas a mim calha-me melhor a mercearia da Rua Gomes Freire, perdoem a insistência. Já lhe achei mais piada, antes do balcão modernaço e das nabiças embrulhadas em celofane como se fossem rosas senhor. Há reveses na vida que temos que superar, não é verdade? O “progresso” é um deles. Deixei de lá ir por quinze dias em protesto por os meus espinafres já não virem com terra, mas ultrapassei a coisa. Comi uns chocolates para arribar e ganhei coragem. Fui lá hoje e quem é que lá estava? Nada mais nada menos que A Velha. A desaparecida senhora, a mãe da D. Lurdes. A verdadeira dona da casa. A genuína merceeira. Foi com profunda alegria que a vi ali sentada, sufocando por completo o banquinho baixo de madeira. Entrei, como sempre, às pressas, fazendo o meu teatro de dona de casa atarefada que não sou capaz de ser. E estaquei ali mesmo, frente aos seus feios olhos grandes observando a vida através de mim. Não sei como se chama, acho que prefiro não saber. Será “A Velha”. Foi ela que me deu as más-vindas à maneira desconfiada de merceeira quando, mesmo à hora de fechar, lá entrei pela primeira vez. Ia desertinha de comprar o que era preciso para fazer uma sopa que me fizesse sentir em casa na primeira noite de independência. Qual seria o cheiro da minha sopa? Qual seria o cheiro da minha casa? Foi aí que começou o namoro com aquele cochicho com fruta da época em caixas à porta, uma mercearia como outra qualquer em qualquer outra rua de Lisboa. A Velha mirava-me o jeito, atrapalhava-me os gestos disparando silêncios descarados à insolência das minhas perguntas: “Não tem courgetes?” “Queria uma couve coração, só tem lombardo?” “Estas cenouras parecem velhas!”
- É tudo bom, disse-me, voz de trovão prensado, garras travadas no balcão, peito insuflado por um orgulho eficaz que nunca hei-de compreender. Meti a couve lombardo, as cenouras e a viola no saco, paguei e saí, sem mais prosápias.
Uma vez, pouco tempo depois, medimos forças numa disputa em que o que estava em jogo era apenas o mau feitio de cada uma. Queixei-me das maçãs, que não sabiam a nada. E ela mandou-me comprar maçãs ao supermercado se não gostasse das dela.
O ambiente na loja azedou, as clientes fizeram silêncio e recuaram uns passos, mostrando de que lado estavam e não era do meu. Mas eu estava com falta de paciência e quase contente na minha insolência.
- Ouça lá, se eu quisesse maçãs que não sabem a nada, é que não vinha cá, ia ao supermercado, não acha?, atirei, ignorando a boa educação.
Sem perceber, tinha feito pontaria ao orgulho da Velha merceeira.
- No sábado tenho Bravo Esmolfe, gritou-me, tão comprometida como irritada, já eu na rua. Ganhei o duelo e arrependi-me logo a seguir da parvoíce.
Entretanto, A Velha ganhou um indiferente e pouco convincente respeito pela minha pessoazinha. Cumpre o que julga ser seu dever e informa-me, tal como a qualquer outra cliente regular, se as laranjas não forem assim tão doces.
Mas não se esforça. Já passou “a pasta” à filha, à D. Lurdes, que é quem faz agora as “honras da casa”. Aparece raramente dos fundos da loja com o mesmo casaco de malha mas atende como se fizesse um favor a quem lá vai.
Ganhou a impaciência que se cola aos feitios introvertidos e avessos a intimidades, ao fim de muitos anos a aturar gente por obrigação. É a D. Lurdes, a filha, de olhos igualmente feios, que apazigua a irritabilidade da mulher que engrossou e endureceu com a idade como as coisas vivas.
Quando não pode deixar de se irritar quando vê alguma cliente a escolher os morangos com as mãos, quando vê mais uma unhada numa manga do Brasil, ou quando vê alguém deitar fora as folhas ainda boas de uma alface antes de a pôr no saco, é a D. Lurdes que lhe diz, numa língua que só elas conhecem, qualquer coisa que a faz suspirar e obrigar-se ao silêncio.
Há luxos a que se pode dar, a D. Lurdes, que ainda corre por inteiro nesta vida e tem uma filha no secundário que a faz sentir nova apesar dos seus 50 anos.
Graças à Velha e ao pai, a D. Lurdes pode deitar fora o pão que secou e que já ninguém vai comprar. A Velha não pôde livrar-se da poupança obsessiva herdada dos tempos em que conheceu a fome, quando veio para Lisboa e andava “ao papelão”.
Estas histórias nem a neta, “a menina”, as conhecerá. É só ela que consegue amaciar os músculos faciais da Velha, quando entra de sorriso aberto na loja, vinda da escola, a cheirar ainda a leite com chocolate e a perfume infantil.
Foi pela neta que perguntei na altura de pagar, hoje. (A insolência ainda cá está, mas há mais espaço para coisas que fazem menos mal à saúde). Ela encolheu o olhar, antes esticado até à parede da frente, e pespegou-o no meu durante eternos segundos num frente-a-frente inesperado.
A Velha tinha aceite ceder por um instante, deixando-me aquecê-la com a lembrança da neta. O “obrigada” que me dirigiu naquele olhar elevou-me à categoria de sua igual, como se eu pudesse, já hoje e não daqui a muitos anos, compreender as mulheres que engrossaram e endureceram com a idade como as coisas que vivem.