"Sou portuguesa", informa a mendiga num pequeno cartaz colocado estrategicamente junto do prato das esmolas. Quem desce as escadas do metropolitano do Marquês de Pombal (do lado da Alexandre Herculano) não pode deixar de estranhar esse pormenor de inovador marketing mendigueiro. Estou a imaginar a velhinha em pleno "brainstorming": "mas como é que eu saco mais umas àqueles burgueses?" Eu percebo. Com tanta concorrência pedincheira na cidade, é preciso adaptar a mensagem ao público alvo e com a crise que aí anda impõe-se alguma criatividade. Mas, no meu caso, os trocos não duram muito tempo nos bolsos. Sou, por assim dizer, o alvo ideal dos típicos mendigos da nossa praça. Não complico, não peço explicações. Um olhar de fome, verdadeiro ou fingido, um "ajude-me por favor" ou até uma simples mão estendida bastam. Por isso, não sei o que hei-de fazer em relação àquela mendiga que diz que é portuguesa. Será que é a minha moeda que ela quer? O que é que quer dizer com isso?!
Depois de umas noites mal dormidas a pensar neste assunto importantíssimo, cheguei a uma hipótese explicativa. "Então não querem lá ver a velha xenófoba a apelar ao racismo portuga?!" E decidi que do meu bolso não levava mais nada. Porque eu não sou esquisita mas tenho alguns limites. Só dias depois percebi o real alcance daquele "sou portuguesa" e fiquei com tanta pena da velha que só não chorei porque já não tinha trocos para os lenços de papel (foram todos direitinhos para o prato da mendiga). Já não lhe bastava ser pobre e velha, tinha que ter o azar supremo de ser pobre e velha e ter nascido em Portugal. Não há coração duro que resista, tem toda a minha solidariedade.
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