17 de dezembro de 2008
Crime: Astúcia
Como a coisa não foi violenta, antes caricata e astuciosa, como até a PSP achou que foi, o único dano a declarar é ter menos 60 euros na conta. Dirão vocês, oh deixa lá, mais do que isso rouba-te o banco todos os meses. Sim, é verdade. No entanto, este “furto simples” como o qualifica o nosso Código Penal, é tudo menos simples. Ao ponto de o agente da PSP que me aceitou a queixa dizer em voz alta que a Polícia e a Justiça estão de mãos atadas em casos como este. A culpa, disse ele, é da lei portuguesa, que “dá tantos direitos” aos suspeitos/detidos/arguidos e poucos às vítimas. A coisa passou-se em segundos. No instante em que as notas saíam da caixa multibanco, fui rodeada por duas raparigas que puseram duas pastas pretas à frente dos meus olhos e se piraram no momento seguinte. Registei no cérebro que as folhas por cima das pastas diziam “surdos-mudos”. Lá fugiram, dobraram a esquina comigo atrás delas sem resultados. Atrás daquele ATM um quiosque, a Rua Pascoal de Melo cheia de gente. Depois, na Polícia, depois da queixa, o agente Nica pergunta se eu quero apresentar queixa-crime. Então não quero?! Mas não é crime?! Duh!
Explica-se o chefe Nica: O que se passa é que as moças que me assaltaram foram trazidas para Portugal por “máfias provavelmente de países do Leste, sobretudo da Roménia”. Ganham “uma percentagem mínima” do que roubarem. Não falam português, “são sempre menores de 16 anos muitas vezes menores de 14 anos”, nunca têm documentos, nunca falam e não é porque que sejam surdas-mudas porque não são. Nunca assaltam duas vezes no mesmo sítio, nunca repetem a vítima, nunca são os mesmos a roubar. De acordo com o chefe Nica, quando a investigação chega a algum dos jovens larápios, se são menores, não podem ser identificados pela vítima. Não podem ser detidos. Nunca sabem quem é o “patrão”. Por outro lado, se são apanhadas, quando são soltas “apanham porrada” do patrão. Conclusão do agente Nica: “é impossível chegar às máfias”. Mas, se por uma sorte se chega às máfias, “eles aparecem com advogados de referência nos tribunais” e “ganham tudo, pagam e no outro dia estão cá fora”.
Neste ponto do relato do chefe Nica, já eu estava quase a chorar com pena das miúdas traficadas e de bom grado lhes daria 60 euros sem me queixar. Bastaria que elas próprias, ao invés de se fingirem de surdas-mudas, me contassem esta história da carochinha.
Nisto tudo, o que me revolta mais é isto: a resignação de um jovem agente da PSP, que antes de dar luta já se rendeu. Só a falta de imaginação e de vontade é que pode explicar que um agente da PSP ou qualquer um se refugie em supostos “buracos” na lei portuguesa para baixar os braços. Percebo a perspectiva pragmática da coisa do ponto de vista de um polícia, mas faz-me mesmo confusão que seja tão resignado o discurso de um jovem agente com menos de 30 anos que francamente (e, para ser justa, porque lhe pedi opinião) aconselha as vítimas a calarem a queixa para não se chatearem e porque não vale a pena.
Eu lá pedi desculpa por dar tanto trabalho e por contribuir para o entupimento dos tribunais. É que até o cenário que enquadrou a minha participação era elucidativo: Depois de esperar 40 minutos para ser atendida (apanhei a mudança de turno), reparei num cartaz sobre um curso de polícia: Onde se lia “por nós, muito, entre nós, muito. Pelos outros, tudo”, passou a ler-se, graças à acção expedita da caneta de um insatisfeito agente policial: “por nós, nada, entre nós, nada”. Já estou como o velho Sampas, que gente de lamúria e de braços caídos!
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