17 de março de 2008

Eu vi um sapo, com um guardanapo...

Não sei nada da história do Mário a não ser o que nos contou a D. Lurdes, da mercearia da Gomes Freire. Já o tinha visto andando desacertado em várias ruas da zona, a várias horas do dia e a da noite. Sei que a bebedeira é um estado habitual do Mário, um alcoólico que se confunde com um sem-abrigo. Vi-o a rir à maluca frente ao carro que o ia atropelando e vi como gritava e ria no meio da estrada no Conde Redondo com um pacote de vinho na mão. Sei que ele fala a gritar com quem passa no passeio onde estiver. Uma vez ouvi-o gritar umas coisas em inglês a umas estrangeiras que iam a passar e lembro-me de ter pensado que ele tinha muita graça. Mas o Mário não é um sem-abrigo. A acreditar na história que nos contou a D. Lurdes, o rapaz chegou a ser um matemático brilhante. Era professor no Liceu Camões, bem perto da casa onde mora, na Duque de Loulé. A D. Lurdes contou-nos isto e mais algumas coisas no sábado passado. Era meio-dia e a rua estava finalmente calma depois da azáfama da manhã. Poucos carros, pouca gente, o quiosque às moscas, as lojas a fechar. Eu estava à entrada da mercearia, e o Mário encostado à parede uns dez metros mais adiante. Fora da loja, uma senhora baixou-se para escolher umas tangerinas do caixote da fruta rente ao chão. E o Mário acompanhou-lhe o movimento com a cabeça, espreitando, divertido, o decote da senhora.
Já dentro da loja, a senhora, eu e mais uma rapariga esperávamos a nossa vez quando da rua pacífica vieram uns gritos surpreendentes: O Mário cantava o “Eu vi um sapo” mas com uma letra adaptada:
- “EU VI-TE AS MAMAS, EU VI-TE AS MAMAS, EU VI-TE AS MAMAS, EU VI-TE AS MAMAS!, taratari, taratari, tiri, tiri..”
Imaginem isto cantado com a música do “Eu vi um sapo” que agora faz PUB à Internet. Claro, rimos à gargalhada e eu reparei que a senhora corou um pouco, afinal também percebeu o movimento atrevido do Mário junto aos caixotes da fruta.
Olhámos lá para fora, menos a D. Lurdes, que mordia o lábio para não se rir, e lá estava ele, completamente feliz a cantar e a dançar no passeio. Parava um pouco para se rir à gargalhada e voltava ao mesmo. A D. Lurdes, afinal vizinha de longa data do homem, e amiga dos pais, sentiu-se na necessidade de justificar a loucura do rapaz e fez o diagnóstico: “Uma mente brilhante que um dia terá tido um esgotamento nervoso que não foi bem acompanhado e deu nisto”. Parece que ele começou aos poucos a deixar de se interessar pelo trabalho, pelos alunos, e acabou por se apaixonar pelo vinho e a abandonar a higiene por completo. Às vezes o irmão vem ter com ele e leva-o para casa, dá-lhe banho, corta-lhe o cabelo e veste-lhe roupa lavada. Mas o mais estranho do caso do Mário, interroga-se a D. Lurdes, é que quando um antigo colega, também matemático de renome, o vem procurar, súbitas mudanças acontecem.
- “Chegam a ter grandes conversas, o Mário e colega. Quando o amigo vem, ele muda por completo, endireita-se todo e fala normalmente com ele, como se não tivesse bebido, sobre as coisas no Liceu, sobre o mundo e discutem sobre as coisas deles como se o rapaz nunca estivesse estado neste estado”, admira-se a D. Lurdes com um certo respeito no tom de voz…
Olhámos lá para fora e vimos o homem tão descontraído na sua cantiga a apanhar sol a dançar pelo passeio que concluímos que talvez o Mário não se tenha perdido mas, ao contrário, achado, a certa altura da vida.

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