28 de fevereiro de 2007

Cadáver esquisito II

Quem escreve à noite diz hoje e ontem e sempre, acordes com luz do dia ou ao anoitecer, por mais inútil que te sintas, és bela e única. À luz do dia brilhas como cobre, duro e martelado, velho no tempo. Estás a ficar escura - há quem diga oxidada. Um dia, abriste os olhos e a luz era demasiado branca, mas furou o meu estômago feito chão, a terra vermelha que aqui não há, aquela de que fala o meu pai, que a mim não me dá paz, só o cheiro da terra molhada, e penso nela como um ser vivo e espero por um dia melhor. O adjectivo inibe-me. Prefiro o nome. Nomine. Abre a porta, deixa entrar, voa sem medo. Da próxima vez que vieres, traz um sorriso e a alma lavada, se fazes favor. E tudo o que disseres, quero que o sintas primeiro e que, por uma vez, me faças sentir especial. "Que eu te mostre que sou especial!". Raramente o dizemos, nem a nós próprios. Mas quando dizes adeus, de repente é a palavra mais usada. Até à exaustão. Em relação a ti. Até à tua náusea. Cansados como cavalos velhos, sem fôlego como adolescentes. Adolescentes somos sempre e iguais a nós mesmos, precisamos sempre de olhar os outros e de nos reconhecermos neles, mesmo que não seja fácil, e nunca é fácil, ao contrário do que nos fazem crer.

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