Há trinta e dois anos, um empresário português de “vincada personalidade e um especial talento para o comércio e as finanças” deixava em testamento à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa “parte significativa dos seus bens” com a condição de aquela instituição cumprir a seguinte obrigação:
“…atribuir anualmente três prémios monetários, de montante de cincoenta mil escudos (Esc. 50.000$00) cada, às 3 pessoas que, na Nação e na opinião de júri criteriosamente escolhido, mais tenham contribuído, pelo seu esforço, trabalho ou estudos, para:
a) o cuidado e carinho dos velhos desprotegidos;
b) o progresso da medicina na sua aplicação às pessoas idosas;
c) progresso no tratamento das doenças do coração”.
A SCML cumpre esta obrigação desde 1987 e, este ano, será mais uma vez cumprida a entrega do Prémio Nunes Corrêa Verdades Faria - apelidos da mulher do empresário, senhora “de temperamento afectuoso, generoso e sensível, particularmente atenta aos artistas, idosos e desprotegidos”.
Só que, este ano, só serão entregues prémios - cujo valor monetário está actualizado e é hoje de 5 mil euros – pelas duas últimas alíneas.
O anúncio da atribuição dos prémios, publicado hoje no Expresso, refere que “não foi atribuído prémio” previsto na alínea a) “o cuidado e carinho dispensado aos idosos desprotegidos”.
Isto espanta-me e gostava de saber porquê. Será que houve um cataclismo que matou especificamente em Portugal e em 2006 todas as pessoas que prestaram cuidados e carinho aos velhos desprotegidos?!
O habitual é vir a razão da não atribuição de prémios explicitada no próprio anúncio de jornal. Normalmente a razão indicada é o júri ter concluído que as candidaturas não preenchiam os requisitos de qualidade exigidos.
O regulamento do prémio nada diz sobre motivos possíveis da não atribuição. Ora, não tornando públicos esses motivos no momento em que torna públicos os nomes dos outros galardoados, o júri sujeita-se às seguintes considerações:
Fico espantada que o júri escolhido pela SCML entre personalidades de “reconhecido mérito no âmbito da segurança social e da saúde, preferencialmente no domínio da gerontologia e da cardiologia” não tenha conseguido encontrar em 2006 uma única pessoa ou instituição, que, na Nação, como queria o benemérito Enrique Mantero Belard, tenha, pelo seu “esforço, trabalho ou estudos”, contribuído para “o cuidado e carinho aos velhos desprotegidos”.
Porque é isso que a mensagem do anúncio significa em última instância e é isso que é chocante. Que a SCML entenda como algo normal dizer que não houve quem tenha prestado cuidados e carinho aos velhos em Portugal. Eu perceberia que não tivesse sido atribuído o prémio pelo “progresso da medicina na sua aplicação às pessoas idosas”, por exemplo. Haveria imensas razões que poderiam justificar a falta de investigadores nessas áreas em Portugal...
Mas por favor! Que uma instituição que se chama de Misericórdia diga que não encontrou no país alguém que se tenha esforçado a fazer aquilo que ela diz que faz há 508 anos, é bastante engraçado…
Felizmente, o júri escolhido pela Santa Casa da Misericórdia enganou-se redondamente. Haveria muitas pessoas e muitas instituições no país a quem entregar a distinção.
Eu voto nos muitos anónimos que, não sendo personalidades mas apenas pessoas, dão voluntariamente horas dos seus dias a “cuidar e a dar carinho” aos velhos dos outros.
2 comentários:
Bem parece que este ano esta alinea ficara mais uma vez em branco!!!nao por falta de candidaturas...
mas va-se la perceber!!
E ja está!!O ano de 2007 ficou novamente sem um vencedor!!Duas candidaturas foram apresentadas, mas ao que parece nenhuma delas foi considerada como de interesse..
Presumo que foi por não ter sido enviada por um SR.DR..
Continuo sem entender... e ninguem me dá uma resposta plausivel...
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