8 de maio de 2007

"Come cenouras, que faz os olhos bonitos"...


- Os nabos são bons, dona Lurdes?, pergunta a velha dos olhos bonitos.
- Ainda ninguém se queixou, responde a merceeira, cansada…
- É o que eu como, nabos e cenouras, tem que ser bons, diz a velha dos olhos bonitos, com um tom azedo e rezingão.
- Não é por comer ramburgas (penso que ela queria dizer hambúrgueres) que eu tenho estes olhos, continua a velha, mudando o tom para o estilo gaiteiro, quando viu o homem entrar na mercearia.
O homem percebeu a deixa e até inchou. A velha dos olhos bonitos podia ser mãe dele, mas depois dos sessenta anos, deve ser indiferente ter 70 ou 80, pensei eu…
- E tem, e tem! Uns olhos bonitos como certas alentejanas têm, ou enganei-me?, respondeu o velhote, de repente mais alto, mais ufano, sorriso malandro, sacudindo com primor e olhar apurado a terra de umas cebolas, antes de as pôr no saco.
- E sou… de Garvão, atalhou a velha, levando a mão ora ao cabelo ora ao peito, toda risinhos…
E eu, abismada, pensei que, se aos 80 anos, esta velha resmungona, comedora de nabos e cenouras, ainda cora, realmente deve ser mesmo verdade que enquanto há vida há esperança.

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