31 de março de 2007
29 de março de 2007
A costureirinha e sua tesoura
Podes fazer o que quiseres, se tiveres, como tens, uma tesoura gigante nas mãos. Vestir um vestido às flores, deitar-te nas tábuas desse chão envernizado e esperar iludir quem passa, encenando uma costureirinha muito “arty”, numa cidade muito “indie”. O problema é seres apenas muito nova. Deixas que a luz te ilumine as perfeições, enquanto, envergonhada, tapas o rosto com os braços porque a coragem não é algo que se compre a metro na retrosaria. Engalanas a foto com ares de provocação mas não foi desta que disseste o que querias dizer, porque ainda não sabes o que queres dizer. Quando souberes, avisa. Entretanto, a foto disse outra coisa a alguém. E só consigo pensar que às vezes acontece que a pergunta é a sua resposta.
28 de março de 2007
um retrato social
ontem estreou o programa de antónio barreto, um retrato social sobre portugal.
quase chorei ao ver as mudanças (para melhor, claro) que ocorreram na saúde em relação às crianças, à natalidade, às condições que as mulheres têm hoje nas maternidades.
muito bem estruturado, com textos muito simples, claros, cheios de estatísticas, mas nem por isso maçadores, que respiram e deixam respirar.
só pelo primeiro episódio eu diria que toda a série devia ser obrigatória nas universidades. em todos os cursos.
26 de março de 2007
uma polaroid...
21 de março de 2007
Abrolhei!
v. intr. deitar abrolhos; brotar; rebentar; (fig.) começar.
(De abrolho + -ar)
Ai que bonita manhã de Primavera! Grrrr....
19 de março de 2007
A Bela Acordada
- Não, não é uma sereia porque tem duas pernas, muito tortas, uma mais curta do que a outra, respondeu o rei às criadas. E o rei convidou a mulher para jantar. Ao jantar, o rei e a mulher comeram o peixe. O rei disse à mulher quando as criadas se foram embora: - Eu amo-te. Quando o rei disse isto, sorriu à mulher e atirou-lhe com uma azeitona inteira à cabeça. A mulher apanhou a azeitona e comeu-a. Mas, antes de comer a azeitona, a mulher disse ao rei: - Eu amo-te. Depois comeu a azeitona. E casaram-se logo a seguir no tapete de Arraiolos da casa de jantar."
In Adília Lopes: Obra, Lisboa, 2001
18 de março de 2007
16 de março de 2007
fado dos cheirinhos (um prato de iscas com elas)
caldo verde que tu trazes nos teus olhos.
ai que cheirinho tem o alecrim
da esperança que tu me atiras aos molhos.
ai que cheirinho têm as roupas de linho
que tu estendes nas janelas.
ai que cheirinho gosto mais de amor contigo
do que das iscas com elas.
tua boca cheira a cravo e teu corpo a segurelha.
quando cheiro o cabelo, cheiro uma rosa vermelha.
tens um cheirinho a hortelã na pimenta das palavras.
quando acordas de manhã tens tempero de ervas bravas.
tens um cheiro a erva doce mesmo na ponta dos dedos.
e és já como se fosse um cravinho de segredos.
há um cheiro a madrugada nas colinas dos teus seis.
e uma amora perfumada nos teus belos lábios cheios.
teu corpo cheira a maçã.
e até o nosso filho quando nascer amanhã há-de cheirar a tomilho.
porque me cheiras tão bem desde o dia em que te vi?
no fundo, sabes muito bem.
é porque cheiras a ti!
de "receitas de fado".
14 de março de 2007
Ajudem-me a tornar a vida da minha vizinha num Inferno
Já tínhamos chegado a acordo que estenderia os seus lençóis rendados de maneira a que não me tapasse as janelas. Cumpriu durante 15 dias e depois fez-se esquecida. A vingança foi queimar-lhe “acidentalmente” com o meu cigarro o lençol mais insultuoso que já vi: Uma coisa nojenta de flanela castanha já meia descorada pela lixívia. (Como é que é possível um par de velhos sujar os lençóis ao ponto de ser preciso pô-los na lixívia?!).
Bem, tenho que explicar que moro num primeiro andar com terraço e que quando a velha estende os lençóis do lado errado basta-me andar em pé para ter que me baixar se quiser passar ao outro lado do terraço.
A velha pediu-me explicações e eu cinicamente disse-lhe que não me lembrava do incidente, mas que achava normal porque se fumo no terraço e se os lençóis me tapam a passagem é natural que tivesse lá tocado o cigarro sem reparar.
Lá mordeu os lábios e percebeu a mensagem. Passou a pendurá-los (muitos lençóis lava a velha, é impressionante) do outro lado mas a festa só me durou mais uns meses.
Desde que me cansei de lhe pedir que estenda a porcaria dos lençóis do outro lado para não me tirar a luz das janelas, nem me obrigar a baixar a cabeça sempre que quero ir ao terraço, e isto já há uns três anos, passámos à fase da guerra aberta.
Pão com manteiga, terra, restos de comida, salpicos de produtos para as minhas plantinhas, e até pêlos de gato, já lá tudo foi parar em momentos de fúria.
Confesso que fui mesmo uma pessoa horrível quando fui lavar a liteira do gato e arranjei maneira daquela areia mijada lá ir parar “sem querer”, não me perguntem como.
Mas memória de velha deve ser de muito curto prazo e passados uns meses dos “alertas” lá voltava ao mesmo.
A pontaria já estava bem treinada mas entretanto descobri (porque a ouvi a falar sozinha) que, apesar de tudo, era o cheiro a tabaco nos lençóis que a chateava mesmo.
Pronto, foi o que quis ouvir. Instalei a cadeira mais confortável mesmo juntinho à porta do terraço e era aí que me sentava quando ela vinha estender os lençóis do lado errado mais uma vez. Eram momentos recompensadores, garanto.
Ao sábado depois de almoço, hora certa da velha estender a roupa, lá me sentava a acender o cigarro. Cheguei a acender vários cigarros sem os fumar só para defumar o lençol!
Tinha descoberto a fórmula certa, porque na segunda máquina de roupa (eu desconfio que a velha lava roupa para fora, não é possível!) já estendia os lençóis do lado certo.
Só que hoje, que é quarta-feira e estou de folga, abri a porta da cozinha e dei de caras com o lençol mais comprido que já vi na minha vida escorrendo água para cima da minha roseira preferida!
Como não fumo há mais de uma semana e assim pretendo continuar, acabou-se a arma da tabaqueira, o que é que eu faço agora?! Vesti-me e fui lá acima tocar-lhe à campainha.
Pedi-lhe pela cagagésima nona vez que me estendesse a roupa mais comprida do outro lado, por causa da luz, das flores no parapeito da minha janela, por causa da passagem, e disse-lhe que era um bocado cansativo ter que repetir as mesmas coisas de mês a mês.
E ela, ratazana de esgoto, disse-me só que sim senhora, que para a próxima não se havia de esquecer e fechou-me a porta na cara.
Eu percebo que uma velha que nunca sai de casa, tenha como únicas alegrias na vida ver o Você na TV no máximo volume e lavar roupa repetidamente só para me ver arreliada, o que até teria a sua piada se não se passasse comigo.
Só que eu preciso de sol nas minhas janelas e já não tenho a arma do tabaco. Ajudem-me por favor, dêem-me sugestões de como tornar a vida da minha vizinha de cima num Inferno!!!
13 de março de 2007
a arte de ser mecenas
12 de março de 2007
11 de março de 2007
10 de março de 2007
Gato constipado
brava dança dos heróis
5 de março de 2007
EMEL: A multa certa em Lisboa
2 de março de 2007
O tio Esvaldo, a mulher dele e a sobrinha
“Perrdi tudo ô cara! Perrdi tudo… Mi vê aí um uísqui”, atirou o brasuca de cabelos brancos ao barman do hotel. O tom era desesperado, de um homem que, enfim, só podia ter perdido realmente tudo. Instalada numa mesa mais ao canto, eu podia ouvir nas calmas os desabafos do homem. Fui mentalmente construindo a história. Coitado, os negócios correram-lhe mal cá, deve ter investido muito e perdeu tudo. Ou, se calhar, veio cá de férias, foi ao casino, bebeu umas a mais, apostou e perdeu tudo. Ou perdeu a carteira com tudo lá dentro. Que teria sido? O barman, homem de 70 anos, curvado pelo peso de anos a servir copos de licores e uísques ao balcão, ouvia e abanava a cabeça em sinal de compreensão e pena. E reparei que em vez do “uisqui”, serviu-lhe um café. O brasileiro não deve ter dado pela diferença, porque bebeu sem reclamar, em silêncio, de olhar um bocado esgazeado fixo na janela. Repetiu mais umas vezes a mesma frase “perdi tudo” e eu comecei a ficar com comichões no estômago. Fui ao balcão, pedi um chá ao velhote, ele assentou que sim com um sorriso e esperei. A minha ideia era que o brasileiro metesse conversa, que me desse a deixa para eu lhe perguntar mas afinal o que é que o senhor perdeu. E assim foi: - “Cê é portuguesa, né?”
- “Sou sim”, respondi, e sorri-lhe na expectativa.
- “Hoje eu perdi tudo” …o olhar esgazeado continuava e eu esperei.
- “Hoje eu perdi minha mulher...”, e levou as mãos à cabeça.
Fiquei martirizada por ter sido tão materialista, primeiro. Afinal o homem perdeu alguém que amava, não tinha nada a ver com grana. Depois disto, o barman pôs-me à frente um café. Eu, que estava atordoada com a história do homem (bem feita, quem manda meter-me na vida dos outros?!), fiquei depois confusa. Eu achava que tinha pedido um chá branco…mas bebi o café mantendo uma espécie de silêncio respeitoso. Como se a notícia de uma morte tão profundamente sentida por alguém que está a um metro de distância impusesse esse respeito. O barman, que afinal não era surdo nem nada, saiu discretamente. Voltou com uma mulher, uma espaventosa brasileira de pouco mais de vinte anos, cabelos louros, “necessaire” dourado na mão, muito bonita e também muito ordinária.
- Ô merda, cê vem aqui, não tou mais ti aguentando. Qui loucura, cara! Quero ir embora. Vai pagar essa merda de hotéu e vamo embora logo ô velho”.
Eu ainda estava a assimilar e ela resolveu desabafar comigo.
- Ele ti incomodou? Cê mi disculpa viu, é meu tio qui está muito doente. Nós veio a Portugáu pra ver se curava ele, mais num tem jeito.
- Não me incomodou nada. Tive pena, ele disse que a mulher tinha morrido.
- Poisé. O meu tio Esvaldo (!) faz isso toda a hora, mas é mintchira. Ele tá ficando louco, o coitado. A mulher dele morreu faz um tempão já. Tá morta e enterrada lá em São Paulo faz mais de deiz ano já. Pra você ver, eu me preocupo com a saúde di meu tio.
Despachei rapidamente a garota de programa e fui-me sentar um bocado surpreendida por a historinha do tio que viaja com sua sobrinha ainda ser coisa corrente nos dias que correm.