Sem querer ofender o arrumador, acho que assenta que nem uma luva o nome que lhe botei, inspirado na Bobone dos manuais de "etiqueta e boas maneiras".
É que estava eu sentada na paragem do autocarro à seca e resolvi espreitar um saco meio aberto de onde vinha um intenso cheiro a castanhas.
"Estaria abandonado? E que será aquilo verde? Uma garrafa? Alguem que se esqueceu? Mas não tem ar disso, está aberto..patati, patata", assim vaguearam os meus pensamentos enquanto esperava pelo 6. No minuto a seguir, aparece-me de rompante este arrumador, que se apresenta:
- Minha senhora, sou o arrumador desta rua, esteja à sua vontade, disse o homem barbudo, cruzando os braços e olhando pra mim, como se estivesse à espera de alguma coisa.
- ?! (cara de espanto)
- São castanhas cozidas, estão muito boas, faz favor de se servir.
- Obrigada, mas eu...(mais espanto e algum, confesso, constrangimento)
- Não faça cerimónia, por amor de deus. Fui buscá-las há pouco e estão ainda quentes. Eu reparei que a senhora lhes sentiu o cheiro. (Aqui, corei de vergonha)
- A senhora com toda a certeza é nova nesta zona, porque é a primeira vez que tenho a honra de a ver. Eu sou o arrumador desta rua, e guardo aqui o meu comer.
(Nisto faz um pequeno e delicado gesto e aponta para o tecto da paragem. Realmente, cabeça no ar que eu sou, não tinha visto o cartaz cuja mensagem, literal, dizia: "Não mexer. Comer do arrumador".
Perante aquela evidência, eu era intrusa em casa alheia e pedi mil desculpas e disse "não reparei, realmente moro aqui há pouco tempo, não sabia" e já me levantava quando:
- Não, não se vá embora por minha causa! Era o que faltava, não se assuste comigo, eu sou só o arrumador desta rua. Por favor, sirva-se das castanhas e fique o tempo que quiser. Olhe, eu tenho que ir arrumar carros e vim aqui só para beber uma pinguinha, mas fique à sua vontade". Tirou a garrafa do saco, e com mais uns salamaleques, o arrumador voltou ao serviço.
Eu ainda estava meio atarantada, porque aquilo me pareceu tudo muito doido, mas continuei à espera do autocarro. Entretanto achei estranho ninguem ir para a paragem e resolvi inspeccionar.
Resultado, trata-se uma paragem antiga, desactivada. Quem lhe dá uso é só mesmo o arrumador da Rua Pascoal de Melo, que ali guarda o seu comer (vide cartaz) durante o dia.
Ora, depois de saber isto, já não posso estranhar a atitude do Paulo Bobão, o arrumador anfitrião.
Quando alguém vai a minha casa, eu também digo para estarem à vontade, para ficarem o tempo que quiserem e para se servirem sem cerimónias!
12 de novembro de 2008
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